Vida espiritual do casal. O que significa isto?
Irem os dois juntos à igreja? Realizarem o culto doméstico? Fazerem uma oração
rápida na hora da refeição? Nossa mente logo se direciona para atos de
espiritualidade, mas gostaria de lhes pedir atenção para outra linha: atitudes
que o casal deve tomar. Os atos isolados ou específicos devem refletir uma
atitude íntima tomada pelo casal, e é desta atitude que quero lhes falar nesta
ocasião. As atitudes definirão os atos e lhes darão valor. Alistarei apenas
quatro, mas que nortearão nossa conversa.
1. PRIMEIRA
ATITUDE: CONSCIÊNCIA DA AUTORIDADE DIVINA
A primeira
atitude a tomar é o reconhecimento de ambos que estão sob a autoridade divina.
Sei que “autoridade” é uma palavra maldita em nosso momento cultural.
Associa-se, indevidamente, com opressão. Por causa disso, além da excessiva
ênfase que nossa cultura dá no “eu”, ninguém quer se submeter e todos querem
exercer autoridade. Mas eu falo da autoridade divina. O casal crente
precisa ter a consciência de que está debaixo da autoridade divina. Ou seja, há
alguém acima dos dois. Há alguém que cuida, sim, mas esse alguém cuidador julga
e estabelece critérios para os relacionamentos. Não é papai Noel, mas o Senhor
Deus.
Parece tão óbvio, mas é tão esquecido! Poucos
casais param e se perguntam, em momentos de decisão e em momentos de crise
relacionais, qual é a vontade de Deus para eles. “O que Deus quer de nós, como
casal cristão?” ou “O que Deus espera de nosso lar?”. Ou, ainda, “Como Deus
deseja que procedamos nesta circunstância?”. Parece que temos um Deus para nos
atender em caprichos e nos socorrer em aflições, mas não o vemos como Senhor de
nossa vida e de nosso lar. E muitas decisões são tomadas no lar sem a consulta
a Deus.
“Isto agrada a Deus?” é uma pergunta fácil de
se fazer, mas bastante incômoda. Por isso não é formulada mais vezes. A forma
como criamos os filhos agrada a Deus? Não é se está de acordo com as modernas
orientações das colunas psicológicas da Internet, mas se está de acordo com
aquilo que sabemos ser a vontade de Deus, expressa em sua Palavra. Aliás,
vontade de Deus está em desuso em nosso meio. O tal de “decretar” e de
“declarar” tem nos tornado em deuses e tornado Deus o nosso funcionário
prestativo, que tem prazer em fazer a nossa vontade. Deus tem deixado de ser
nosso Senhor e paramos de perguntar o que ele quer de nós, e tem se tornado
nosso servo e ouvido o que queremos dele. Inclusive na vida doméstica.
Para se colocar sob a autoridade divina e buscá-la
sem fardo e com alegria, o casal precisa nutrir a consciência de que o lar
cristão é firmado sobre o Senhor, é constituído para o Senhor e é propriedade
do Senhor.
Ele está sempre presente nos planos e aspirações do casal. Está
presente nos projetos e no orçamento financeiro. No modo de nos tratarmos um ao
outro, porque raciocinaremos nos seguintes termos: “Isto aqui é de Deus e eu
tenho uma parte a cumprir para dê certo. E prestarei contas a Deus pela maneira
que procedo em minha casa”.
Precisamos tirar a vida cristã do âmbito do culto e
entender que ela molda e rege toda a nossa vida. Principalmente o lar. Por
isso, o casal crente precisa reconhecer que está sob a autoridade de Deus. E
que seu lar é de Deus.
2. SEGUNDA
ATITUDE: A CONSCIÊNCIA DE AUTORIDADE DA IGREJA
A igreja é de Cristo, é amada por ele, que deu sua
vida por ela, e é valiosa aos olhos do Senhor. Mas é menosprezada por muitos
crentes. Como há crentes falando mal da igreja! E muitos têm uma visão
utilitária e funcional dela! Em que a igreja pode nos servir? Qual igreja
oferece o melhor programa, ou tem os maiores atrativos para nos deixar
entretidos? Qual permitirá mais desenvolvimento aos nossos filhos? Onde
encontraremos uma que tenha estacionamento próprio e não precisaremos deixar o
carro na rua? Qual tem os bancos mais confortáveis?
A igreja é o corpo de Cristo. Inclusive a igreja
local. Paulo disse isso da igreja dos coríntios, que ela era o corpo de Cristo.
Não podemos ter uma visão da igreja meramente institucional, mas sim uma visão
teológica e espiritual. Nela somos inseridos na vida de outras pessoas, que são
nossas irmãs na fé, somos colocados dentro do propósito de Deus não apenas para
nossa vida, mas para o mundo. E é onde temos a oportunidade desenvolver nossa
família.
Temos vínculos com ela, somos responsáveis por ela,
estamos sob a autoridade dela. O casal precisa ver a igreja como o espaço em
que Deus o colocou para viverem em grupo, cultivarem amizade, serem ajudados,
servirem ao Senhor e aos outros. É mais que frequentar cultos. É entender que
há uma instituição de origem divina que foi onde Deus os colocou e onde viverão
experiências em comum. É triste ver marido ou apenas mulher na igreja. É triste
não ver os dois juntos. Mas que alegria ver uma família chegar de mãos dadas,
Bíblias nas mãos, louvar a Deus juntos, fazer propósitos de serviço juntos, ser
benção juntos. É lindo ver um casal vir à frente reconsagrar a vida ou trazer
os dízimos! Nos cultos de oração, ver os dois, juntos, ajoelhando-se para orar.
Isto é se colocar sob a autoridade da igreja, sua autoridade espiritual.
É preciso colocar-se também sob a autoridade
institucional da igreja. Amá-la, inserir-se na sua programação, mostrar aos
filhos, com a vida, que a igreja lhes é importante.
Ame sua igreja, casal crente! Se vocês têm o hábito
de se queixar e falar mal da igreja, será que não é mais uma atitude pecaminosa
de vocês que uma montoeira de falhas dos crentes? Será que há tantos
imprestáveis lá e que vocês são os certinhos? Vejam-na como bênção divina, onde
vocês crescerão juntos e onde criarão filhos juntos. O casal cristão insere a
igreja em sua vida e faz do seu lar uma igreja. Que bela a expressão de Paulo
sobre o casal Aqüila e Priscila: “As igrejas da Ásia vos saúdam. Saúdam-vos
afetuosamente no Senhor Aqüila e Prisca, com a igreja que está em sua casa”
(1Co 16.19). Quando um casal ama a igreja, vive a igreja, tem relacionamento
sincero com ela, como casal, não é difícil ter uma igreja em casa.
3. TERCEIRA ATITUDE:
AUTORIDADE MÚTUA
O princípio está em 1Coríntios 7.4: “A mulher não
tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido; e também da mesma
sorte o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher”.
Não discutirei a questão de sexo, mas o princípio: um tem autoridade sobre o
outro. O casamento nos coloca um sob a autoridade do outro. O marido está
também debaixo da autoridade da esposa. Não tem vida independente dela, e deve
satisfações sobre sua conduta, sobre aonde vai e o que faz.
Muitos homens gostam muito de lembrar que o homem é
a cabeça da mulher. O grego é kephalê, que não significa apenas quem manda, mas
quem nutre. É a mesma palavra usada na literatura grega secular para um rio
afluente do outro, que o faz crescer e ter mais vida. O belo rio Negro é
afluente do Amazonas (ou, se preferirem, Solimões). Ele o faz ser mais
caudaloso e mais volumoso. O marido é responsável por fortalecer a esposa. Ele
não manda nela, mas deságua nela, para torná-la mais vistosa. Ele é líder para
puxar para cima, para dar perspectiva, mais que mando.
É oportuno lembrar 1Pedro 3.7: “Igualmente vós,
maridos, vivei com elas com entendimento, dando honra à mulher, como vaso mais
frágil, e como sendo elas herdeiras convosco da graça da vida, para que não
sejam impedidas as vossas orações”. É significativo que Pedro diga que se o
marido não honra a esposa e não cuida dele (e aqui o cuidado é mais emocional
que financeiro) as orações ficam impedidas. Ele faz uma conexão entre
relacionamento conjugal e espiritualidade. Um bom relacionamento conjugal
produz melhor espiritualidade. Um mau relacionamento conjugal prejudica a
espiritualidade.
Nós, homens, fomos acostumados ao discurso,
inclusive da igreja, de que somos os “mandões”, mas somos os responsáveis pelo
ambiente do lar. A honra e o respeito que dispensamos às nossas esposas influem
até na qualidade espiritual do lar. Orar e ler a Bíblia, realizar culto
doméstico, mas não cultivar bom relacionamento pessoal é um tanto estranho. Os
dois, o trato pessoal e a comunhão com Deus, caminham juntos. Nós, homens,
também estamos sob autoridade no lar. Sob a autoridade de Deus e sob a
autoridade da esposa. Nós devemos alguma coisa à mulher com quem nos casamos.
Ela não é nossa empregada doméstica. É alguém a quem devemos honra. Somos
responsáveis por ela, diante de Deus. E, ao mesmo tempo, estamos sob a
autoridade dele e ela está sob a nossa, e ambos estamos debaixo da autoridade
de Deus.
4. QUARTA ATITUDE: A
VIDA ESPIRITUAL PROPRIAMENTE DITA
A verdadeira espiritualidade considera um
relacionamento correto diante de Deus e diante das pessoas. E a espiritualidade
do casal considera um relacionamento correto dos dois diante de Deus e entre
si. O casal cristão precisa nutrir a consciência da direção e da presença
divina no lar. Precisa ver seu lar como sendo propriedade do Senhor.
Aqui há um agir duplo. O marido é o sacerdote do
lar, como Jó era (Jó 1.6). Ele acordava de madrugada e intercedia pelos filhos.
Mais que sultão, o marido é o intercessor da família, aquele que ora pela
esposa, ao invés de se queixar dela. Aquele que ora pelos filhos, ao invés de apenas
dar-lhes broncas. O marido cristão dobra os joelhos para pedir pela esposa e
filhos.
A mulher é o fiel da balança. Na realidade, são as
mulheres que dão o tom da vida e o rumo a seguir no lar. As muitas admoestações
de Provérbios sobre a mulher mostram isso. Uma mulher levanta ou derruba um
homem. Ela o muda, para pior ou para melhor. Ela é que comanda, nos bastidores.
Sua influência, seu jeito, sua postura fazem as coisas acontecer. Se ela tem
equilíbrio espiritual, tudo se ajusta. Tenho observado isto: se o marido não é
ajuizado, mas a mulher é e mostra isto aos filhos e é terna e amorosa, as
coisas podem ser salvas. Mas se a mulher é desajuizada, não há marido que ajude
os filhos ou salve o lar. Não é apenas o marido que não é nada sem a mulher. Os
filhos também não são. O lar, como um todo, também não é. Se o homem é o
sacerdote do lar, a mulher é o fiel da balança.
Ele é a fonte de equilíbrio e ela, o manual de
equilíbrio. E quando os dois têm consciência de que são do Senhor e ambos
mantêm o lar nos caminhos do Senhor, tudo flui bem. A espiritualidade do casal
inclui a consciência de que construíram um lar para Deus.
CONCLUSÃO
A espiritualidade do casal é mais que atos e
liturgia. São atitudes que se resumem a uma consciência: “Somos cristãos, somos
de Cristo, existimos para Cristo”.
Quero voltar a Áquila e Priscila. Paulo os conheceu
em Corinto: “E encontrando um judeu por nome Áquila, natural do Ponto, que
pouco antes viera da Itália, e Priscila, sua mulher (porque Cláudio tinha
decretado que todos os judeus saíssem de Roma), foi ter com eles, e, por ser do
mesmo ofício, com eles morava, e juntos trabalhavam; pois eram, por ofício,
fabricantes de tendas”. Eles acolheram o missionário, tanto no seu espaço
profissional como na sua casa. Eles hospedavam missionários.
Em Atos 18.18, o casal deixa de hospedar
missionários e se torna missionário: “Paulo, tendo ficado ali ainda
muitos dias, despediu-se dos irmãos e navegou para a Síria, e com ele Priscila
e Áquila, havendo rapado a cabeça em Cencréia, porque tinha voto”. A
espiritualidade o casal cresceu. Não lhes bastava hospedar gente que fazia
missões. O casal foi fazer missões.
Por fim, em Romanos 16.3-5, Paulo dá uma síntese da
espiritualidade do casal: “Saudai a Prisca e a Áquila, meus cooperadores em
Cristo Jesus, os quais pela minha vida expuseram as suas cabeças; o que não só
eu lhes agradeço, mas também todas as igrejas dos gentios. Saudai também a
igreja que está na casa deles”. Ele agora coloca o nome dela em primeiro lugar
(o que Lucas já fizera em Atos 18.18), chama-a pelo nome (Prisca era o nome e
Priscila o diminutivo), agradece ao casal porque se expôs por ele, e diz que o
casal hospedava, agora, não um missionário, mas a igreja toda.
Parece que Priscila era mais líder que o esposo,
mas não há indícios de que isto tivesse sido causa de desconforto. O Espírito
Santo registrou assim, nos escritos sagrados: o nome dela antes do nome
dele. Lucas e Paulo respeitam o casal e reconhecem, inclusive, a liderança de
Priscila. Afinal, colocar o nome da esposa antes do nome do esposo era bastante
incomum e impróprio.
Aqui está o modelo de casal cristão. Crescendo cada
vez mais no serviço ao Senhor. E sendo uma só cabeça e um só coração. No trato
com Deus, no trato com o seu reino e no trato com a igreja de Deus. Isto é espiritualidade
de um casal cristão. Que seja um modelo para nós.
www.udf.org.br
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